“Tarsila é um dos temperamentos mais fortes que os modernos revelaram pro Brasil(…)o que faz mesmo aquela brasileirice imanente nos quadros dela é a própria realidade plástica: um certo e muito bem aproveitado caipirismo de forma e de cor(…)”

Mário de Andrade para a coluna “Arte” do Diário Nacional, São Paulo, 21 dez 1927.

 

 

“Tarsila do Amaral me ensinou o que era Brasil e o que era América Latina”

Maria Pérez Sola

Na década de 70, a impressora artística Maria Pérez Sola conheceu a artista plástica Tarsila do Amaral, em São Paulo. A proximidade se deu, como bem conta Pérez Sola neste vídeo de sete minutos, a partir das atividades do Clube da Gravura, que naquele ano convidou Tarsila do Amaral a produzir uma gravura para cartão a ser enviado de presentes aos colecionadores associados do Núcleo de Gravadores de São Paulo – NUGRASP. Dessa parceria foram produzidos dois cartões para dois anos consecutivos, uma versão em rosa e outra em azul. O registro precioso de Pérez Sola confirma aquilo que em 1927 Mário de Andrade declarou sobre a obra de Tarsila: um dos temperamentos mais fortes que os modernos revelaram pro Brasil. No vídeo, PS conta como TA ensinou-a a chegar à produção do azul e do rosa caipira: por meio de uma viagem de trem pelo interior, saindo da capital São Paulo percorrendo os arrabaldes até Carapicuíba. Realmente uma história surpreendente e típica de quem mostraria o Brasil em formas e cores. Desse encontro, surgiu o trabalho Crianças no Vilarejo*, gravura que será o tema da sexta edição do FINART, a ser realizado de 04 de outubro a 11 de novembro de 2022. Assim como “Pessoas Brincando”, criada no mesmo período, “Crianças no Vilarejo” mostra a visão, a vista de uma cena do cotidiano caipira, aquilo que Pérez Sola conta em seu trajeto no trem: crianças,
mulheres, cachorros, cajueiros, casas, o azul e o rosa caipira do Brasil.

Apesar de não ter participado da Semana de Arte Moderna de 1922, Tarsila, após uma turnê de cursos em arte com os grandes mestres na Europa, digere os conhecimentos adquiridos e incorpora o movimento antropofágico criando uma arte particular e genuinamente brasileira. Mário de Andrade temia as influências estrangeiras sobre a obra de Tarsila, como bem alerta em carta***: “Creio que não cairás no cubismo. Aproveita deste apenas os ensinamentos. Equilíbrio, Construção, Sobriedade. Cuidado com o abstrato. A pintura tem campo próprio. Não gosto dos vizinhos que fazem incursões pelas searas alheias.” Tarsila retornou ao Brasil e com Oswald de Andrade funda o Movimento Antropofágico que propõe a “devoração cultural das técnicas importadas”. Esse movimento passa a exercer grande influência em vários momentos da história cultural do Brasil, por exemplo, a Tropicália.

* Ficha técnica Cartão Crianças em rosa e Cartão Crianças em azul – Ano 1970/72 -Gravura em metal, dimensões da matriz: 9,5 x 10,5cm.
**Pessoas brincando – Gravura em metal P.A. – 35x50cm – Acid 1970
*** Carta de Mário de Andrade para Tarsila do Amaral – 16 de junho de 1923